segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

O Maestro da Mecânica: Miguel Crispim

Em 1958, a montadora Vemag S.A (Veículos e Máquinas Agrícolas) estreava oficialmente na corrida Mil Milhas de Interlagos, com o carro DKW, pilotado pelos gaúchos Karl Iwers e Flávio Del Mese.

Paralelamente a isso, um jovem aficionado por mecânica prestava como mecânico, no interior de São Paulo, o serviço militar obrigatório. Seu nome: Miguel Crispim Ladeira, mais conhecido como Crispim.

Muito simpático e de bem com a vida, Crispim trabalhou como mecânico, desenhista, projetista, chefe de equipe, instrutor e dono de oficina. Hoje, seu conhecimento profissional, sua vivência na formação do automobilismo nacional e seu trabalho excepcional no desenvolvimento da indústria mecânica é reconhecido entre todos que conviveram com ele.

O nome CRISPIM nos boxes de Interlagos até hoje soa como “O Maestro da Mecânica”.

Com essa sucinta apresentação do Sr. Crispim, abaixo transcrevo algumas partes de um bate-papo descontraído que tivemos no dia 23/05/2009, um sábado de muito sol em São Paulo.

1. Sultani: Você entrou na VEMAG depois de um teste com menos de 20 anos de idade, certo? Como você soube desse exame ?
Crispim: Eu saí do quartel e um amigo meu conhecia o Murillo Correa, gerente de vendas da VEMAG. Esse meu amigo me perguntou:
- Você não quer trabalhar na Vemag?
- Eu quero trabalhar em qualquer lugar, respondi.
- Eu vou falar com ele para ver se tem uma vaga para você.
Sobravam vagas na época. Eles traziam muitos técnicos da Matriz para treinar pessoas, geralmente vindas da lavoura que eles chamavam para trabalhar na Indústria.Tinha muita gente.
Fiz um teste; passei e o curso “Técnico Industrial“ de mecânica da Escola Técnica Getúlio Vargas que tinha feito, me ajudou muito lá.
Começava a ser desenvolvida a Indústria Automobilística no Brasil. Não tinha nada. Tanto que as primeiras rodas mais leve, e um monte de outras coisas, fazíamos a mão.
Tínhamos um gerente alemão, Hermut Brand que participou da Segunda Guerra Mundial (o Jorge o chamava de Tio). Ele veio para o Brasil para chefiar o Departamento de Testes da Fábrica onda se fazia desenvolvimento dos produtos. Entrei na Vemag como meio oficial mecânico B.O Departamento de Testes tinha seis automóveis: 2 Candangos, 2 Vemaguetes e 2 DKW. Esses carros andavam o tempo todo e depois eram desmontados, para se avaliar o desgaste das peças. Dentro do Departamento de Testes tinha o setor de Protótipo onde se produzia os produtos novos.

2. Sultani: Foi na entrevista de admissão que você conheceu o Jorge Lettry?
Crispim: Não. Conheci o Jorge lá na Vemag, já trabalhando no Departamento de testes. Eu tinha 19 anos de idade. Digamos que ele foi meu primeiro chefe. Ele era responsável pela preparação dos carros de Corrida que nesta época, quando entrei na Vemag, era feito pelo Departamento de Teste. Jorge foi uma pessoa muito importante na minha vida.

3. Sultani: Seu objetivo na Vemag era as corridas ou foi o destino que te levou a elas?
Crispim: Eu nem sabia o que era corrida. Em 1960 a Vemag participou das Mil Milhas, em novembro, se não me engano, e eu fui convocado para ir lá trabalhar lá em Interlagos.

4. Sultani: Sua primeira participação da equipe em competições foi nas 1000 Milhas de 1960?
Crispim: Sim. Eu nunca havia ido a Interlagos. Eu não sabia nem chegar lá. Como já disse fui lá ajudar e... Entrei e daí, nunca mais parei. Quando foi criado o Departamento de Competições, em 1962, ou 1963, eu passei a ser encarregado dos mecânicos e o Jorge gerente do departamento.

5. Sultani: Você chegou a trabalhar para os pilotos Christian Heins e Eugenio Martins? 
Crispim: Com o Geninho sim, além do fato de ele haver corrido com DKW, pela Revenda Serva Ribeiro e ser muito amigo do Jorge, trabalhamos juntos em uma firma que ele tinha lá no Bairro da Lapa, em meados dos anos 80. 
Com o Christian Heins (que aprendeu muito do que sabia com o Jorge Lettry) convivi em Interlagos. Éramos concorrentes, ele pela Willys e nós pela Vemag; participávamos das mesmas provas.

 6. Sultani: E a partir de que momento seu trabalho teve destaque para o Departamento de Testes da Vemag?
Crispim: Por ter adquirido conhecimento de desenho na Esc.Tec.Getúlio Vargas, o Jorge me apresentou um projeto e perguntou se seria possível construir aquela peça, (o suporte para o reservatório de óleo de motor, para se testar o sistema “Lubrimatic”nos motores DKW), pois o Deptº de Engenharia havia dito que seria necessário a construção de um estampo para isso e o processo seria muito dispendioso. Após um breve estudo, eu disse ao Jorge que sim e o fato de ter feito a peça sem maiores custos, nos aproximou muito. Daí passamos a partilhar vários desenvolvimentos juntos...

7. Sultani: Você preparou os carros da Vemag. O motor tinha componentes alemães?
Crispim: Não. Só a correia do ventilador e a junta do cabeçote. O resto era nosso. 
Nas Mil Milhas de 1961 tiramos 108 cavalos do motor DKW. Era o veículo mais rápido do Brasil. Aquele motorzinho com 108 cavalos, 1080 cc. Não é cavalo de conversa, não! Foi na balança do Dinamômetro na ponta do eixo do virabrequim. Era época em que fazíamos as contas com régua-de-cálculo, na unha! Nessa prova tivemos de trocar as lonas de freio durante a corrida, porque embora freasse muito, o consumo de lona também era bastante alto. Acertamos tudo: eu e um mecânico ( António Martins) do lado direito e o meu amigo Milton Masteguim – mais tarde dono da Revenda MM- que sempre estava lá para nos ajudar, e outro mecânico (Hikeda) do lado esquerdo.
Entre a parada, levantar o carro, retirar a roda, retirar o tambor de freio, as lonas e molas, colocar tudo novo de volta, regular as lonas e, ainda, baixar o carro eu e o António gastamos exatamente 2,0 minutos. Enquanto isto, o Milton e o Hikeda não haviam nem retirado o tambor.

8. Sultani: Você tem alguma história que Jorge Lettry realmente “enlouqueceu”? 
Crispim: Não. Nunca. Ficar nervoso, como todos nós ficamos, sim. Uma vez fomos correr em Piracicaba e ele muito preocupado falou para os pilotos Anísio Campos que estava pilotando Belcar DKW e Chico Lameirão que estava com o Malzoni:
 - Olha, muito cuidado. É a primeira vez que vocês vão andar em circuito de rua. Muita atenção. Vão devagar, com calma, etc, etc. No primeiro dia Anísio saiu reto em uma curva e bateu. Depois Lameirão ia pela parte do circuito que tinha até trilho do bonde no meio da rua , na saída da curva, perdeu a direção, decolou e caiu dentro de um galinheiro! O Lettry realmente ficou bastante aborrecido ao ponto de quase desmaiar...

9. Sultani: O Jorge era realmente muito exigente? Ele ouvia suas idéias? Como era o dia-a-dia com ele? 
Crispim: Sim. Ele tinha uma determinação incrível. Ele era um autodidata. Ele tinha princípios de vida maravilhosos. Uma conduta admirável. Convivi com Jorge 48 anos. Ele morreu meu amigo. Era meu amigo pra caramba... Senti muito, muito a morte dele. Foi uma convivência muito rica a minha com ele. Trocamos muita experiência, aprendemos muita coisa um com o outro, o Jorge era metódico; nos gostávamos pra caramba. Se realizava com automóvel. Aprendi muito da vida com ele. Um grande cara...

10. Sultani: E com Marinho e o Bird? 
Crispim: O Marinho era mais minucioso no acerto do carro... Ele era extremamente técnico. Ele ia exatamente no limite do carro.
O Bird é um dos caras que conheço que tem maior habilidade para dominar um carro, andar de lado. Eu não tive problemas com nenhum dos dois pilotos. São todos meus amigos até hoje. Eu viajava muito com o Bird.
Tem uma história com o Piero Taruffi. Ele veio ao Brasil e em Interlagos reuniu alguns pilotos brasileiros para avaliar a habilidade deles. Bird estava entre eles e já olhava torto para tudo que Taruffi expunha: que “porra” que esse italiano veio fazer aqui, dizia ele . O italiano pôs uns cones e explicou o que teria que fazer, “assim, assado”, etc. Bird fez tudo ao contrário e cravou o melhor tempo. O italiano ficou desesperado e gritava: no capito, no capito!!!

11. Sultani: O Greco chegou a trabalhar contigo antes de ir para a Willys? 
Crispim: Não. Greco trabalhava no Departamento de Compras da Vemag. Era conhecido como Luiz “Gazetinha”. Ele gostava muito de corrida e chegou a correr pela Vemag em corrida longa. Aí, a Willys começou a competir também e ele foi para a Willys, trabalhar no Departamento de corridas como auxiliar do Christian Heins. Convivi mais com ele como adversário na Willys. 
Após a morte do Heins, o Greco assumiu o departamento de competições e começou a trazer coisas de fora. Ele era grande estrategista, mas o conhecimento mecânico dele era pequeno. A Willys não tinha tecnologia nenhuma aqui no Brasil. Era tudo importado. Já a Vemag desenvolvia e resolvia. Aí, todos nós começamos a ter um pouco mais de informação, pois era muito difícil extrair informação naquela época. As informações não tinham a velocidade de hoje.

12. Sultani: E a experiência com o F-Júnior ? Por que não deu certo? 
CrispimSabíamos pouca coisa a respeito de veículos de Fórmula aqui no Brasil. Precisava ter uma organização melhor. Foi feito para a Mecânica Continental. O nosso tinha motor DKW, e enfrentava motor Corvette. Era uma coisa meio maluca. Eram poucos carros. Não tínhamos nada. Estávamos engatinhando em tudo... Nos vimos o começo da implantação da indústria automobilística no país...

13. Sultani: Um carro que o Francisco Lameirão sempre elogia é o Malzoni GT. Você teve participação grande nesse projeto, não? 
Crispim: Rino Malzoni tinha uma fazenda em Matão, onde ele fazia uns carrinhos esporte de dois lugares, usando o chassi DKW da Vemag. Uma vez fomos fazer uma corrida em Araraquara e depois da corrida ele falou: - vamos todos para minha fazenda que vou fazer um churrasco, em plena segunda-feira. A corrida foi domingo. Fomos todos: eu, Jorge, Milton Masteguim, Anísio Campos, Eduardo Scuracchio, Marinho, Luiz Roberto Alves da Costa (Robertão), Bird, Dal Pont, Moco, o Rato e seu irmão Wilson, enfim um monte de pilotos. Aí todos guiaram “o carrinho” do Rino que espalhava “aquela” poeira de terra vermelha na fazenda e a mulher dele gritava: - pelo amor de Deus. Parem com isso! Durante a comilança, Rino, Marinho, Robertão e Milton (que eram donos da Revenda DKW MM) falaram: -Vamos construir esse carrinho? E foi assim que nasceu o primeiro carro Esporte fora de série no Brasil, que se chamou GT Malzoni, depois Puma DKW e finalmente  Puma Volkswagen. Para realizar esta empreitada foi criado a “ LUMIMARI “ que é formada pelas iniciais dos nomes : Luiz Roberto, Milton Masteguim, Mario César de Camargo e Rino (Genaro) Malzoni; verdadeira loucura.
O.B.S.: Chico Lameirão rodou 3’48”6 com esse carro (GT Malzoni motor 1 litro) em Interlagos. Um recorde. Fangio, seis anos antes, virou em 3’50” com o Maserati 2,5 litros!

14. Sultani: Nos projetos havia preocupação com segurança?
Crispim: Muito menos que hoje. Nem se pensava nisso. Lógico que não queríamos matar ninguém...

15. Sultani: E o recorde com o Carcará? Você ficou em tempo integral nesse projeto?
Crispim: O Carcará foi feito em cima do chassi do Fórmula-Júnior. Foi construído pelo Toni Bianco e pelo Chico Landi com desenho de carroceria desenvolvido pelo Anísio Campos e contribuição do Jorge Lettry e Rino Malzoni lá na fazenda Timbó, do Rino, em Matão. Foi em 1966. O recorde do Carcará foi estabelecido com o motor engripado. Ele fez 213 km/h numa passagem e 214 na outra Se o motor estivesse melhor, chegaríamos a 220 km/h. Jorge estava com pressa pois estava demissionário da Vemag. Marinho não queria guiar o carro, em virtude pouca estabilidade direcional, problema que ele acreditava que deveria ser resolvida na Fábrica, aqui em São Paulo. O recorde foi no começo da Rio-Santos, perto da Barra da Tijuca com o piloto Norman Casari.
Na verdade, o Carcará era uma asa. O carro vinha e tendia a voar. Este fato causou uma discussão entre Jorge e Marinho que provocou um estremecimento na grande amizade que existia entre ambos.

16. Sultani: Você participou de provas fora do país ?
Crispim: Na equipe Hollywood, participamos em provas na Argentina em Buenos Aires, San Juan e Las Flores com LuizinhoPereira Bueno, Francisco Lameirão e Lian de Abreu Duarte e Anísio Campos.

17. Sultani: E você nunca pensou ou foi cogitado para sair da Vemag?
Crispim Não. Fiquei até acabar.

18. Sultani: Nessa época de Vemag, quais pilotos que você realmente admirou?
 Crispim: Putz. A lista é grande; comprida... Mas, dois encabeçam a lista: Marinho e Bird. O Chiquinho guiou pra caramba... Não vai dar pra dizer não. Ciro Caíres, Anísio Campos, Carol Figueiredo, Jaime Silva, Toco Martins.. Emerson e Wilson Fittipaldi, o Moco guiava muito. Não dá, não dá não... Se eu continuar vou fazer alguma injustiça. Uma vez, quando o Moco guiava aquele Brabham com motor Alfa Romeo, em uma prova de Fórmula 1 em Interlagos, ele me levou para os caras da Alfa e disse a eles: - Esse é o cara que mais entende de automóvel do Brasil...
Creio que isto demonstra o grau de amizade que a gente tinha naquela época com todos os Pilotos. E veja: o Moco nunca guiou em minha equipe...

19. Sultani: E quais corridas você considera inesquecíveis e por que? 
Crispim: 1000 Milhas de 1966. Eu estava sozinho comandando a EQUIPE e quase ganhamos. Foi uma choradeira só. Até o Emerson chorou. 
Até hoje ele fala: - Crispim, aquela Mil Milhas tá aqui óh (sick: para me demonstrar, Crispim passou o dedo na garganta).

20. Sultani: Em 1966 a Volkswagen comprou a Vemag. Para onde você e o Lettry foram?
Crispim: O Jorge foi para a Limimari. Eu, fiquei na Vemag até 1967. A Volkswagen não queria saber de corrida. Foi muito difícil a mudança de mecânica Vemag para a Volkswagen porque o Puma foi o primeiro carro fora-de-série fabricado no Brasil e a Volkswagen não queria nem ouvir falar em carro Esporte. Ela só cedeu porque o Robertão que além de Diretor da Puma era amigo “ PESSOAL” do General Costa e Silva, presidente da Republica. De plantão, ligou para Brasília e disse ao Presidente que aquele GIGANTE ALEMÃO estava querendo esmagar uma pequena Fábrica Brasileira. O General chamou o presidente da Volks à Brasília e ordenou que ele fornecesse tudo que a Puma necessitasse! Foram construído 23.000 carros até a paralisação da Fábrica, mesmo com a Volkswagen dando início na fabricação do SP2 com o intuito de prejudicar a Puma. Fiquei mais um ano e meio no Setor de Serviços e Escolas Mecânica. Depois fui para Campinas numa revendedora Volkswagen. Trabalhei na Souza Ramos, outra revenda Volkswagen depois para Comercial MM que era revenda Puma. Ainda na Vemag, vendemos os equipamentos e acabamos com o Departamento de Corrida.
Por ocasião da preparação para as Mil Milhas de 1966, alguns Pilotos que queriam correr e não tinham carro, consultaram a Vemag sobre a possibilidade de participarem com os carros da Fábrica. O Sr. Valdemar Geffru, nosso diretor de venda, me chamou e perguntou: 
- Você consegue fazer os carros com o que têm lá dentro? Não podemos requisitar nenhuma peça . Eu disse:
- Vou precisar só de combustível e pneus. Os Pilotos conseguem isso, não vejo problema.
Aí fizemos reuniões na casa do Emerson no Morumbi para atender aquela molecada toda de pilotos. As duplas seriam formadas e cada um teria que conseguir seus pneus e sua gasolina. A Puma estava na jogada também e demos um DKW Malzoni para o Emerson e Jan Balder. E eles quase ganharam essas Mil Milhas de 1966! Até seis voltas do final estavam em primeiro lugar, quando engripou um pistão. Ficaram em terceiro lugar atrás do Camillo ,vencedor da prova e do Marinho, segundo colocado. 

21. Sultani: Você nunca correu como piloto? Não quis? 
Crispim: Não sou maluco. Meu negócio é desenvolvimento. É o negócio que mais gosto na vida.

22. Sultani: Você testava os carros na pista? 
Crispim: Não. O Marinho me dava informação. Nelson Piquet também que nunca correu para mim, sempre que podia me passava alguma informação e ficamos tão amigos ao ponto de que, quando eu estava na Equipe Brasil com Chico Lameirão, ele me convidou para ir para a Europa se aventurar com ele. Mas preferi ficar.

23. Sultani: E os autódromos da época? 
Crispim: Autódromo só tínhamos Interlagos. Conheci também muitos circuitos de rua: Petrópolis, Araraquara, Barra da Tijuca, Ilha do Fundão, Piracicaba, Cavalhada. Vi todos autódromos nascer. Para mim, o traçado antigo de Interlagos era e sempre será o melhor autódromo do mundo. Hoje, Interlagos é um kartódromo.

24. Sultani: Acidentes fatais. Como era tratado nos bastidores?
 Crispim: Em 1962 uma coisa que me marcou muito foi a morte do Celso Lara Barberis, nos 500 Km de Interlagos. Antes da largada, passei por ele e tocando no seu ombro falei : Boa Sorte... O acidente do Cacaio em Petrópolis... Quando morreu o Christian Heins o Bird Clemente disse:
-  Quem quer morrer na cama, não deve correr de automóvel. 
E diz sempre: - Se você cortar o chifre do touro, tourada não tem mais graça.
Ou seja, o automobilismo é um esporte de risco, se o autódromo for muito seguro não tem mais graça.

25. Sultani: Fale um pouco do seu trabalho e relacionamento com Luiz Pereira Bueno ? E com Chico Lameirão? 
Crispim: Com Luizinho e Anísio Campos montamos a primeira equipe profissional do Brasil, a equipe Hollywood. Tendo o Chiquinho, Lian, Alex Dias Ribeiro Titê Catapani como pilotos O Luizinho, principalmente, é um cavalheiro. Um dos caras mais educados que eu conheço. Até para guiar carro. Ele trata o carro como fosse uma mulher. Numa ocasião, falando sobre Jorge Lettry comentei com o Luiz: 
- Eu devo muito a Jorge Lettry. E ele, com muito respeito, disse:
-  Ele também devia muito a você... 
Chiquinho é meu irmão. Gosto muito dele. Eu e Chiquinho fizemos a equipe Brasil e depois a Motorádio e com o dono da Cometa , o Arthur Maciole, a Bino-Motorádio. Com Chico Lameirão fomos campeões na Super-Vê com a equipe Motorádio. Na Divisão 4 corremos com o Avallone motor Chrysler. Foi muito bom. O carro era grande demais...
Foi uma época boa. Vou contar uma história: Chico Lameirão não chegou a F1, pois não me ouviu. Quando eu estava na MM ele quis ir para a Europa e eu falei para ele esperar mais um ano:
- Vamos no ano que vem, pois nos prepararemos melhor, arrumamos um patrocinador legal, vamos analisar o melhor carro, vamos esquematizar, ver custo do campeonato.
Mas ele queria ir naquele momento. 
- Assim não vou, falei para ele. O Roberto Nabuco (Fininho) foi para a Europa com ele e lá Chico ficou sozinho. Esse é o grande problema: ficar só lá, não ter um amigo para “trocar idéia”, incentivar, dar força.
Por exemplo, um dos responsáveis pelo sucesso da carreira do Emerson chama-se Chico Rosa que foi com ele para a Europa.
Tenho certeza que, se ele – Lameirão- esperasse e fossemos juntos, ele chegaria na F1, pois ele guiava para isso, guiava mesmo, guiava muito.
Numa ocasião, na Super-Vê, eu estava perdido com o carro dele. Não conseguia melhorar. Aí, a contragosto dele comentei, vou limpar o carro e começar desde o início. Comecei a tirar as peças e ele: 
- Você vai tirar isso? Tirava mais uma e ele : - Isso também? 
Depois de todo trabalho feito ele saiu com o carro e viramos o 2ºtempo na classificação. Ele parou no Box e falei: 
- Fizemos o 2ºtempo. E ele falou: 
- Porra, e eu não pisei tudo que podia...
Ele era assim, se não acreditava ele não desempenhava adequadamente.

26. Sultani: E depois disso, que rumo você tomou?
 Crispim: Montei uma oficina de rua. Agora estou na Lobini num projeto novo na parte de produção de um novo carro.

27. Sultani: Alguma decepção?
 Crispim: Não. Porque quando você está muito lá em cima, não pode mais descer. Eu não tive o prazer de vencer aquela Famosa Mil Milhas de 66. Mesmo assim sempre fui feliz, pois faço o que gosto.

28. Sultani: E a maior emoção?
 Crispim: As 1000 Milhas de 1966.

29. Sultani: Qual o melhor piloto brasileiro que você já viu correr?
Crispim: Nelson Piquet. O pai dele era médico e uma vez eu fui para Brasília e passei mal lá no Autódromo. O pai dele me medicou, eu estava hospedado na casa do Nelson. Ele nunca foi ver o filho correr. No dia seguinte, Nelson se surpreendeu pois o pai dele estava lá no autódromo. Ele foi ver como é que eu estava e não o filho correr. Quinze dias depois ele morreu...

30. Sultani: Crispim, sua experiência no automobilismo é imensurável. Atualmente, o que você acha que precisa melhorar no automobilismo nacional ?
Crispim: Antigamente, o mecânico brasileiro era endeusado, o piloto era endeusado. Quando chegou a F1 tudo isso acabou.
O Argentino valoriza o automobilismo dele. Nós achamos que tudo dos outros é melhor. Nós, Brasileiros, temos o complexo de vira- lata.
Vou te dizer uma coisa: a Alemanha nunca tirou a potência do motores DKW que nós tiramos. O brasileiro precisa apreender a se valorizar.

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