Nesse dia, fica aqui minha homenagem para ele: a recuperação do texto que escrevi e publiquei no site da Confederação Paulista. Infelizmente lá, foi apagado. Aí vai a crônica:
Advogado, fã da música clássica, do autor literário Hemingway, professor e empresário. Além disso, exerceu o papel de jornalista traduzindo para o português o livro “A História de Jim Clark” de Bill Gavin. Ainda nessa linha, trabalhava nas revistas Quatro Rodas, Auto Esporte e também escrevia suas peripécias européias para a extinta Grand Prix.
Esse é o perfil de Pedro Victor De Lamare, piloto paulista
que no início dos anos 70, conquistou o tricampeonato brasileiro na categoria
Turismo e o vice-campeonato brasileiro de F-Ford.
O INÍCIO: De Lamare realizou sua primeira corrida em 1957, na segunda prova do
evento Cinqüentenário do Automóvel Clube do Brasil, em Interlagos. Tinha 20
anos de idade e chegou em 15ºlugar na geral (foi quarto na categoria-esporte
até 2000 cc) pilotando um MG TC nº84. Seu parceiro, Paschoal Nastromagario
finalizou na sua frente com um MG TD.
Sua segunda prova foi os
500 Km de Interlagos de 1958 em dupla com o amigo Marivaldo Fernandes.
Abandonaram a prova por quebra mecânica do mesmo MG TC nº84, carro que
pertenceu a Cláudio Daniel Rodrigues e era mantido por Giovani Mosquetti.
A FORMAÇÃO: A falta de verba, a imposição dos pais e a ambição de finalizar sua
Faculdade de Direito em Santos, o afastou das pistas por seis anos (1959-1964).
Em 1964 De Lamare se casou com a manequim Gigi. Com grande
incentivo da esposa, passou a se
dedicar totalmente ao automobilismo como piloto, coisa rara no Brasil daquela
época.
O APRENDIZADO: Com o orçamento apertado, De Lamare raramente tinha chance de pilotar carros vencedores. Já mostrando seu alto profissionalismo, De Lamare tinha seu próprio Renault 1093 (preparado na Torke de Luiz Pereira Bueno) para as corridas curtas e uma berlineta Interlagos (motor preparado por Roger Resny) para as provas menos importantes.
Com o Renault 1093 Pedro virou a volta de Interlagos em
4’30”, um ótimo tempo para o padrão de seu carro. Isso chamou a atenção do
chefe da Willys, o grande Luiz Antônio Greco. Este não pensou duas vezes e o
convidou a participar oficialmente da escuderia Willys.
Nesse ano de 1965, De Lamare chegou em quinto lugar nas 12 Horas de Interlagos e sexto nos 1000 Km de Interlagos, ambas as provas com o piloto Luiz Fernando Terra Smith e conduzindo o Renault 1093. Com Ludovico Perez e pilotando o Willys Interlagos, De Lamare ficou em quinto lugar nas 6 Horas de Curitiba.
Novamente com Ludovico Perez e pilotando o Interlagos, De
Lamare subiu ao pódio ao terminar na terceira posição nos 1000 Km de Brasília
de 1966. Já com Waldemar Costa, alcançou o sétimo posto com o Renault 1093 nas
24 Horas de Interlagos.
Em 1967 houve o
primeiro Campeonato Brasileiro de Fórmula Vê. Com um Fitti-Vê particular
preparado na
concessionária Mecanova dos irmãos Otto e Fritz Jordan, De Lamare conquistou um
terceiro lugar no Rio de Janeiro.
A já tradicional prova 500 Km de Interlagos foi disputada
em 1967 com esses fórmulas. Participando em dupla com Ricardo Achcar e
pilotando o Aranae nº100, De Lamare não terminou a prova. Nas 12 Horas de
Interlagos pilotou a carretera Gordini, chegando na sexta posição.
A PRIMEIRA VITÓRIA: Em 1968, a escuderia Cebem tinha nada menos que o experiente Chico
Landi como diretor técnico. Lá, De Lamare aprendeu com “Seu Chico”, “os
segredos” de como ganhar tempo com carros de maior potência. Daí, De Lamare conquistou
sua primeira vitória: foi nas 500 Milhas da Guanabara de 1968 em dupla com Jan
Balder, a bordo do BMW Alpina 2000 cc nº3 da escuderia Cebem.
Além de José Carlos Pace e Marivaldo Fernandes, a equipe
Jolly-Gancia contou com De Lamare em 1969. Correndo sempre com o Alfa Romeo
GTA, De Lamare e Mario Olivetti terminaram na segunda colocação nos 1000 Km de
Brasília. Já nos 1000 Km da Guanabara, De Lamare abandonou conduzindo o
AC-Volkswagen 1800 cc da equipe de Olavo Pires.
Com seu lado profissional em ascensão Pedro Victor De
Lamare percebeu a falta de apoio das montadoras em 1970. Daí conquistou
patrocinadores e criou uma equipe própria muito bem estruturada, a De Lamare
Competições.
Como empresário fundou a Escola de Competições Bardhal,
localizada em frente ao autódromo
de Interlagos. Sua esposa Gigi cuidava de toda parte administrativa e De Lamare atuava como instrutor. Foi um
sucesso total, pois, no primeiro ano, Pedro formou mais de quatrocentos pilotos
e em setembro, abriu outra em Porto Alegre. Pilotos de renome como José Renato
Catapani, Sérgio Mattos, Carlos Quartim Barbosa, Ricardo Di Loreto, os irmãos
Abílio e Alcides Diniz, José Pedro Chateaubriand e Arthur Bragantini
freqüentaram a escola Bardhal.
A oficina da escuderia De Lamare Competições ficava no
mesmo local da escola e juntamente com seu mecânico Manelão, De Lamare preparou
um Opala para correr na categoria Turismo. O seu motor 3900 cc foi preparado
por Caito Telles de Mattos, primo do Mário César de Camargo Filho, o Marinho.
O dia 08 de novembro de 1970 marcou a inauguração do
autódromo de Tarumã. Diante de um público de mais de 120.000 pessoas, Pedro
Victor De Lamare venceu de ponta-a-ponta a prova de Turismo na sua categoria,
depois de cravar a pole e melhor volta com seu lindo Opala nº84 azul. Ainda com
o Opala, na prova 2 Horas de Interlagos chegou em quarto lugar e quinto nos 500
Km de Interlagos.
Aproveitando a sua experiência na pilotagem de monopostos,
Pedro correu em Interlagos, na última etapa do Torneio Internacional BUA de
Fórmula Ford finalizando em 13ºlugar com um Hawke-DL2A.
Com um Ford Corcel 1500 finalizou as 24 Horas de
Interlagos em quinto lugar.
A RECOMPENSA: Pelo seu desempenho na categoria Turismo de 1970, Pedro Victor de
Lamare foi escolhido, por um júri de jornalistas especializados em
automobilismo, para receber o Prêmio Victor, que era uma premiação semelhante
ao Capacete de Ouro de hoje. O convidado especial Colin Chapman foi quem lhe
entregou o prêmio.
O SUCESSO: Em 1971, Pedro recebeu sua única ajuda da General Motors: um Opala cupê
duas portas e zero quilômetro. Com esse carro azul nº84 e motor 4100cc, Pedro
venceu as 12, as 4 Horas e os 500 Km de Tarumã e assim, conquistou facilmente o
primeiro Campeonato Brasileiro de Turismo - Divisão 3 (carros turismo de
fabricação nacional e modificados para corrida. A categoria era dividida em
três classes: Classe A: até 1600 cc; Classe B: de 1601 a 3000 cc e a Classe C
de 3001 a 6000 cc), classe C, adiante de Pedro Carneiro Pereira.
No Campeonato Brasileiro de F-Ford, Pedro pilotou um Bino
azul e nº84 ficando com o vice-campeonato, atrás do campeão Francisco Lameirão.
O Torneio SUDAM (provas disputadas entre brasileiros e
argentinos) foi em maio/julho de 1971. Lá estava Pedro Victor De Lamare
novamente com seu carro azul e, logicamente, nº84. Desta vez ele não era o
Opala, mas o protótipo Fúria-Chevrolet 2500 cc 4 cilindros, projeto do
brasileiro Toni Bianco.
O carro tinha um design agressivo e com ele, Pedro chegou
em terceiro lugar na prova de Tarumã e abandonou em Buenos Aires depois de
chegar em 10ªlugar na primeira bateria.
Visando participar novamente do SUDAM em 1972, Pedro
comprou, do projetista Horatio Steven, o protótipo argentino Tuero Sprint. O
carro foi preparado “meia-boca” porque Horatio estava em dificuldades
financeiras e queria receber o dinheiro logo. Em dezembro de 1971, Pedro
aproveitou o Torneio-Sul Americano em Interlagos para correr com ele. Acoplado
com o motor Chevrolet o Tuero era
inguiável, principalmente nas retas. Mesmo assim, Pedro conquistou um quinto e
um sétimo lugar.
Com imensa satisfação vendeu o Trueno e, em seu lugar
comprou o protótipo brasileiro Avallone, projeto do brasileiro Antônio Carlos
Avallone, baseado no Lola do campeonato CAN-AM.
Melhorando ainda mais seu Opala azul nº84 4100 cc, De
Lamare conquista o bicampeonato brasileiro de Turismo com vitórias em Tarumã e
Interlagos. Esse título foi mais difícil que o de 1971, pois Luiz Pereira Bueno
da escuderia Hollywood proporcionou brigas memoráveis com De Lamare.
No dia 18 de junho de 1972, De Lamare levou seu Avallone
nº84, ao 9ºlugar na primeira prova da SUDAM, em Buenos Aires. Participou com
esse carro na Divisão 4 (carros esporte com chassi e motor nacionais: Classe A
até 2000 cc e Classe B acima de 2000cc). Com esse carro, Pedro teve apoio do
engenheiro Joseph da GM argentina obtendo duas vitórias em quinze corridas até
o ano de 1973.
Graças ao organizador Antônio Carlos Scavonne, De Lamare
participou do Torneio de F2 no Brasil com um March 722-Ford, conseguindo um
oitavo lugar como melhor resultado.
O ano de 1973 foi o apogeu do profissionalismo de Pedro
Victor De Lamare. Ele conquistou o tricampeonato brasileiro de Turismo na
Divisão 3 contra Antônio Castro Prado e Júlio André Tedesco que teve seu Opala preparado na Argentina, assim como
Celso Antônio Frare e Afonso Iglesias.
Seu Opala continuou com o nº84 mas, passou a ser amarelo
devido ao novo patrocinador Eletroradiobraz que fundou o Eletroradiobraz Team.
Em agosto de 1973, Pedro contratou Ricardo Divila para
preparar seu Opala e Wilson Fittipaldi para elaborar seu plano de corridas.
Ricardo e Wilson estavam projetando o Copersucar F1 e De Lamare reformando sua
escola para abrigar o protótipo do F1.
A “mão” de Divila deixou o Opala 40 quilos mais leve, reforçou
o eixo traseiro para rodas de 13” de largura, colocou pneus slicks, adotou
freio a disco nas quatro rodas, mudou o câmbio para o ZF alemão de cinco
velocidades, colocou o radiador em posição inclinada criando nova saída de ar
do motor, acoplou um aerofólio traseiro semelhante ao BMW 3000 CSL e deixou o
dianteiro mais baixo tomando toda a largura do carro.
O motor foi recuado quase
20 cm, praticamente ficando entre eixos, e passou para 4300 cc, graças ao
engenheiro Roberto Beccardi da GM que engrossou o bloco de parede para receber
pistões maiores.
Todo esse
investimento financeiro e tecnológico tornou o Opala de De Lamare imbatível. Tanto é que ele baixou –e muito- o recorde
de Turismo em Interlagos de 3’20”2 para 315”5. Este é histórico e definitivo,
pois depois a pista foi modificada...
O carro chegou quase ao nível da perfeição, pois De Lamare
conseguia fazer a Curva 1 de Interlagos em 5ªmarca com o pé embaixo e aliviando
muitíssimo pouco.
De 1970 até 1973
o Opala nº84 venceu quinze provas e arrematou três títulos de Turismo na
Divisão 3.
A EUROPA: Tudo mudou em 1974 quando De Lamare desembarcou em Londres para
disputar o Campeonato Europeu de viaturas Esporte (Turismo) até 2 litros, vulgo
Grupo 5 GT e o Interserie.
Com patrocínio da SPI (Sociedade Paulista de Investimento)
por dois anos na Europa, Pedro Victor De Lamare abriu a sede da SPI Racing Team
em Mourne End, a sessenta quilômetros de Londres. O chefe de equipe era Antônio
de Souza e os mecânicos Luís Henrique de Almeida e Neal Croft da Surtees F2.
Pedro Victor De Lamare adquiriu um March 74 S e dois motores BMW de 280 HP com
assistência da March e um caminhão que era do piloto Graham Hill. No seu
primeiro treino, De Lamare teve a infelicidade de presenciar o acidente fatal
do piloto Phillip Landow que testava um March 73 da Fórmula Atlantic.
Pedro De Lamare assinou um contrato de três meses com a
Firestone que iria disponibilizar o engenheiro John Ward para auxiliar na
escolha dos tipos de pneus da SPI. O March (entregue com pneus Goodyear) teve
inúmeros problemas de adaptação aos pneus Firestone, mas mesmo assim De Lamare
conquistou dois quartos lugares, em Nogaro e em Magny Cours.
Outro problema foi
a caríssima manutenção dos motores BMW. Depois de seis corridas Pedro trocou
pelos motores Ford, mais baratos, com menor potência e preparados por Alan
Smith.
No total foram treze corridas com duas vitórias (Thurxton,
apesar de um defeito na fricção e Oulton Park sob chuva), um segundo, dois
quartos, um oitavo, um décimo, um décimo - primeiro e cinco abandonos, além de
uma pole e uma melhor volta, em Brands Hatch.
Assim, Pedro De Lamare terminou o ano como vice-campeão
do Grupo 5 GT.
A SPI diminuiu o press-release para o Brasil e o carro da
March não ficou pronto para 1975. Aí, pediu emprestado um Lola T-294 de Roger
Hire, para uma prova do Mundial de Marcas, em Mugello, fazendo dupla com o
saudoso Antônio Castro Prado e chefiado pelo ex-piloto Roger Hevens.
Abandonaram com quebra do motor e em Dijon eles correram com o Lola T-292 que
José Maria Juncadella correra em 1974. Foram desclassificados por serem empurrados
no grid. Depois disso, Pedro Victor De Lamare nunca mais correu...
POR TRÁS DAS PISTAS:
Ele foi morar no interior de São Paulo e trabalhar com
cavalos de raça. Mudou-se para o Rio Grande do Sul e em 1996 para o Uruguai
onde administrou uma estância para brasileiros. Em 2001 voltou para São Paulo e
hoje, os filhos Stella, Maria e Pedro já estão formados...
Depois de pilotar Renault, Interlagos, Simca Chambod, DKW,
Alfa Romeo, BMW; protótipos AC, Trueno Spirit, Fúria, Avallone; fórmulas Vê,
Ford, e 2, March, Lola e seus bonitos Opalas, Pedro Victor De Lamare foi
merecidamente homenageado em 2006, ao receber do presidente da CBA Paulo
Scaglione, o Prêmio Benemérito.
Nada mais justo para o homem que sempre teve uma visão de
futuro no automobilismo proporcionando à GM uma ampla abertura para que a Stock
Car fosse criada com seus Opalas nos primeiros anos dessa categoria, que hoje é
a maior do Brasil.
Seria muito
gratificante (para o Brasil e todos que pasmaram com as proezas daquele Opala
azul nº84), que os organizadores da Stock Car prestassem uma homenagem para o
Sr. Pedro Victor De Lamare.
Por que não? Vamos esperar...
Abraço,