sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

25: A Última Vitória de Pace

Em 2008, finalmente o Brasil parece revitalizado na F1: na França Felipe Massa venceu e passou a liderar o Mundial pela primeira vez.

Na Inglaterra, Rubens Barrichello foi fenomenal na chuva e alcançou um terceiro posto muito significativo.

Na Alemanha, tivemos o excelente segundo lugar do jovem Nelson Piquet seguido do “outro” brasileiro Felipe Massa, fato que totalizou vinte-e-dois pódios com duplas brasileiras na história da F1. Até então, a última presença de dois brasileiros nos degraus da “festa do champanhe” fora no longínquo ano de 1991, ocasião em que o saudoso Ayrton Senna venceu o GP da Bélgica com Nelson Piquet (pai) terminando na terceira posição.

Mas, você sabe onde, quando e qual dupla brasileira iniciou essa série de vinte-e-dois pódios?

Foi no GP Brasil de 1975 –Interlagos- na vitória do rapidíssimo José Carlos Pace –Moco- (Brabham) seguido do bicampeão mundial Emerson Fittipaldi (McLaren).

Pace chegou na F1 em 1972 e em 1973 ficou em 11ºlugar no campeonato, pilotando o fraco Surtees TS14A-Cosworth. Apesar disso, foi considerado o quarto melhor piloto daquela temporada, atrás somente de Stewart, Emerson e Peterson.

Sua vitória no GP Brasil, dois anos depois, encantou novamente os olhos do seu amigo Luiz Antonio Greco, chefe da equipe Mercantil-Finasa/Motorcraft, que o considerava o terceiro “extraterrestre” do mesmo nível dos outros dois: Juan Manuel Fangio e Jim Clark.

Nesse ano de 1975, a equipe Mercantil era a favorita para o Campeonato Brasileiro de Turismo Nacional – Divisão 1 (categoria de carros nacionais fabricados em série, dividida em três classes: A até 1600cc; B de 1601 até 3000cc e C de 3001 a 6000cc), com provas de longa duração.

Greco convidou Pace para participar desse campeonato na equipe. Ele não hesitou: além de correr o Mundial de F1 pela Brabham, iria participar no campeonato brasileiro (Classe C) –em dupla com Paulo Gomes- pilotando o Maverick V8 Quadrijet de 4.950 cc da escuderia de Luiz Antonio Greco.

A dupla Pace-Paulo Gomes era a principal atração da Classe C em confronto com outros Mavericks, Opalas, Dodges e, junto com os da Classe A liderados pelos Passats, Chevettes e Fuscas 1600 cc formavam em média, sessenta carros no grid por prova. O campeonato teve cinco etapas. Paulo Gomes e José Carlos Pace foram os campeões do ano, vencendo três delas (12 Horas de Goiânia, 500 Km de Brasília e 12 Horas de Tarumã), abandonando nos 1000 Km de Brasília (junto com o terceiro piloto Nilson Clemente) e não participando dos 500 Km de Interlagos onde os vice-campeões Aluísio Andrade/Ricardo Lenz da equipe Sonnervig-Vicsa ganharam a prova, também com Maverick.

No Mundial de F1 Pace ficou na sexta posição e como campeão brasileiro da Divisão 1, fez questão de participar das 25 Horas de Interlagos, prova idealizada pelo eclético Antonio Carlos Avallone em 1973 e que marcou, nos dias 13 e 14 de dezembro de 1975, o encerramento do calendário automobilístico no Brasil.

Três pilotos brasileiros que estavam na Europa, seguiram o exemplo Dias Ribeiro (vice-campeão inglês F3 e estreante na F2 européia) junto com Ingo Hoffmann (sexto colocado no campeonato inglês de F3 e boas colocações na F5000) compartilharam o Opala nº1 da Equipe Itacolomy e ainda Antonio Castro Prado (Mundial de Marcas, Turismo Europeu e F2 européia). O piloto Alfredo Guaraná Menezes (quarto no campeonato de Fórmula Super-Vê do Brasil) era o outro componente do trio Ingo/Alex/Guaraná enquanto Prado dividia o Opala nº11 com Ricardo Soares de Oliveira e Antonio Cláudio Tarlá.

Outras atrações eram Francisco Lameirão (campeão de Fórmula Super-Vê), Afonso Giaffone/o veteraníssimo “Totó” Porto pilotando o Opala nº15, Lian Duarte/Jan Balder/Edgar Mello Filho com o Opala nº14 da equipe CB e a equipe Bamerindus com dois Opalas: o nº5 pilotado pelo gaúcho Marco Tedesco/Celso Freire/Edson Graczyk e o nº6 de Antonio Carlos Avallone/Marinho Amaral/Carlos Eduardo Andrade.

Bob Sharp estava com Pace e Gomes, pilotando o Maverick nº22. As outras “feras” presentes eram o motociclista Valter “Tucano” Barchi (cravou a pole-position) com os veteranos Jaime Silva e Fernando “Toco” Martins a bordo do Maverick nº10 do Team Tenenge; o jovem Chico Serra, Arthur Bragantini, Atilla Sipos, Reynaldo Campello, Ney Faustini, Newton Pereira, Aloysio Andrade Filho, o campeão da Classe A Francisco Artigas, o seu parceiro Eduardo Dória e muitos outros pilotos perfazendo um total de 43 carros no grid. Alinharam dezoito da Classe A (sete Mavericks, 10 Opalas e um único Dodge Dart) e vinte-e-cinco da Classe C (quinze Passats, nove Chevettes e um Fusca).

A largada programada para as 21 horas do dia 13 só foi acionada depois das 23 horas, devido à chuva que caia. Paulo Gomes, o “Paulão”, esteve muito consistente ao já assumir a ponta no início do Retão. Mostrou todo seu talento sob chuva, abrindo quase 4” por volta para Arthur Bragantini, o 2ºcolocado, e com o agravante de seu limpador de pára-brisa do lado esquerdo ter quebrado a partir da 5ªvolta!

Na 20ªvolta ele parou no pit para abastecer e arrumar o limpador do pára-brisa. Bob Sharp assumiu o volante e teve uma boa briga na pista com o novo líder, o Opala nº5 pilotado por Edson Graczyck. Este foi reabastecer e como o Maverick de Sharp estava pesado, o leve (pouca gasolina) Opala de Edgar Mello Filho assumiu a ponta. Este logo também foi reabastecer e a partir da 34ªvolta, só foi alegria para Bob Sharp, que abriu três voltas de vantagem para o segundo colocado, o Opala nº1 de Alfredo Guaraná/Ingo/Alex.

Bob Sharp liderava sem forçar o equipamento enquanto que o jovem Ingo Hoffmann na direção do Opala nº1 diminuiu a diferença do líder para uma única volta! Alfredo Guaraná passou a pilotar o Opala e na metade da prova ainda vinha na 2ªposição. Pouco depois, ele acordou o público com uma forte capotada na Curva da Ferradura. Para felicidade da prova (e da escuderia Itacolomy) o acidentado Alfredo Guaraná voltou à corrida, mas com três voltas de atraso sobre os líderes Pace-Paulão-Sharp.

Faltando menos de três horas para o fim, o Maverick da escuderia Mercantil ainda mantinha a vantagem de três voltas para o avariado Opala da Itacolomy. De repente o Maverick líder, pilotado por Sharp, pára na Ferradura! Ficou ali quase uma volta inteira e com muita dificuldade chegou ao box, onde permaneceu mais duas voltas checando o defeito. Trocaram a bomba de gasolina (mais tarde descobriram que o problema era sujeira no tanque e não propriamente a bomba) e finalmente, após um total de vinte-e-cinco minutos parado, voltou à prova com José Carlos Pace na direção.

Nisso, “o alemão” Ingo Hoffmann passou à liderança sob chuva, com quase um minuto de vantagem para Pace.

Ingo foi para o pit reabastecer e a equipe Itacolomy ficou discutindo quem iria tocar o carro nessa que era a parte final da prova. Decidiram que seria o “baixinho-voador” Alex Dias Ribeiro que ao entrar no carro teve problemas para prender o cinto-de-segurança e com isso, os trinta segundos normais de parada transformaram-se em mais de um minuto perdido. Assim, Pace reassumiu a ponta com Alex, quase um minuto atrás, em 2ºlugar. Faltando cerca de quinze voltas para completar as tão esperadas 25 horas, Alex bate seu Opala na saída da Curva do Sargento! O líder Pace passa ali e relaxa, pois com a batida do seu mais próximo concorrente, imagina que nada mais lhe tirará a vitória. Nessa mesma volta, seu relaxamento vira tormento, porque o carro novamente começa a falhar. Com muita dificuldade ele chega ao Box e a equipe faz um excelente trabalho de limpeza no carburador enquanto o “indestrutível” Opala de Alex, milagrosamente, também entra no pit para ser desamassado e seguir corrida! Pace perde dez minutos parado e retorna uma volta na frente de Alex que perde quinze minutos na parada.

Essa diferença de uma volta permanece até a 25ªhora, quando Pace cruza a bandeirada na ponta seguido de Alex na 2ªposição, com muita comemoração da sua equipe Itacolomy, por ter finalizado somente atrás do vencedor com o carro naquele lastimável estado de conservação...

Foram quase 2.900 km em pouco menos de 360 voltas percorridas. Foi a última vitória na carreira de Moco.

Em 1976 seu Brabham-Alfa Romeo foi um carro problemático na F1 mas, em 1977 era um dos favoritos para abocanhar o título máximo da categoria. Infelizmente no dia 18 de março ele perdeu a vida num acidente de avião junto com o amigo Marivaldo Fernandes.

Foi isso aí...

Abraço,
Sergio Sultani

José Calos Pace: Uma Homenagem Anônima

Arrumando um velho armário de casa encontrei dentro de um anuário, em um pedaço de papel
1969 - Pace e Marivaldo, vencedores dos 1000 Km de Brasília. Juntos na Eternidade.
manchado pelo tempo, o texto abaixo com dizeres escritos a mão: “PACE 18/03/77”.

 Foi o dia da trágica morte de Pace (junto com o seu amigo Marivaldo Fernandes)...

Depois de lê-la disponibilizo essa crônica anônima aqui, para os internautas.

Não sei quem escreveu esta homenagem a ele, mas posso afirmar que quem o fez, sabia da grandiosidade de José Carlos Pace, “Moco”. Aí vai:

“Absurdo, irreal, sem sentido. É tudo o que se pode, pensar, ainda se refazendo do soco dado no queixo de todos nós pela realidade inaceitável. Mas, "the show must go on", dizem os ingleses.

A semana que vem tem Grande Prêmio: todo mundo vai comentar: os jornais darão cobertura; a TV vai transmitir. Tudo como antes. Quase tudo.

No grid de largada, não falta apenas mais um piloto com seu carro de corrida. Faltará alguém que nesse circo poderia estar no lugar do mágico. Um Volks-Porsche em Interlagos, dando banho nas Carreteiras (1966); um Gordini, furando a neblina durante os 1600 km de Interlagos (1965) ou um recorde em Nurburgring, toureando um Surtees (1973), só pode mesmo ser coisa de mágico. Falta alguém que nesse circo pisava, da primeira à última volta, com o mesmo braço dos velhos campeões. Falta alguém para reclamar do carro, da equipe, da imprensa, de Deus e de todo mundo. Como você costumava fazer, na ânsia de sempre baixar o tempo um pouco mais.

Mas, só agora, é que todos percebem que ali estava um campeão. E, como todo campeão, em qualquer setor de atividade, você também trazia o destino marcado. Talvez, isso aconteça para chamar a atenção e, desta forma, fazer com que todos aprendam as lições que os campeões têm para ensinar. Foi com você, embora faltando-nos o sorriso fácil e o jeito para ser gentil, comum nos grandes ídolos, que nós aprendemos a perseverar e a brigar contra o acaso, contra a falta de sorte ou seja lá o nome que isso tenha. Um azar em Piracicaba; outro em Brasília; outro na França... Sempre assim. A adversidade roubando os pontinhos que, no final, poderiam ser a confirmação oficial.

Mas, quem gosta e entende dessa doença ou mania chamada automobilismo, sabe que não é apenas na soma de pontos que se faz um campeão. É preciso mais. Muito mais. É preciso talento pra tocar, igualmente forte, um protótipo Bino; um Turismo envenenado ou uma Fórmula Instável. É preciso sensibilidade para sentir na pista as imperfeições de um novo projeto; aos poucos desenvolvê-lo e disparar na frente, como o monstro da Alfa. O coração tem que ser grande e forte para suportar o choro sentido na morte do amigo Cevert. E, mais do que tudo, é indispensável a ingenuidade de uma criança, que só quer o seu brinquedo, sendo capaz de brigar quando ele a desaponta.

Por tudo o que foi dito, a gente acaba acreditando que não foi tanto azar o título que não veio. Porém, mais que um prêmio, vale a eterna lembrança. E, essa todo mundo sabe, fica para sempre e vira lenda. E são poucos os que têm essa sorte. Sorte, não. Poucos são os que têm essa marca. Marca de campeão. Campeão de verdade.” 

Autor: Desconhecido.